terça-feira, 21 de outubro de 2014

VALENTINA



VALENTINA
Ney Pimenta

Valentina acordou cedo, o que não era qualquer novidade. Diferente era aquela sensação de angústia. Levou um tempo para compreender e, só depois do café reforçado que fez para Valteir é que se deu conta... Nove meses. "Dava um filho", pensou. Estava sem receber seu salário há tanto tempo que já se acostumara. Mas naquele dia, não. Pensou no marido, se esforçando nas vendas da concessionária, pensou no casal de filhos cujas roupas começavam a puir pela falta de novas e resolveu que ia tomar uma atitude, Ah! se não ia! Era o fim e ela tinha cabelo nas ventas. Não deixava nada barato. 


Correu para a escola em que trabalhava e começou a conversar com todos. Tinham de fazer algo. 


Ao longe, alguém a observava sem que ela percebesse. Meia hora depois, um milico todo engalanado entrou e acabou com tudo... "olhem, moças, vocês vão ter que parar com essa reunião, senão, infelizmente, vou ter que prender todo mundo". Ficou com raiva. Olhou fundo nos olhos dele, mas enxergou, como sempre, mais longe na alma do sujeito. Fazia o que lhe mandavam, não era por vontade própria...

Se apiedou do homem. 



E foi lutar em outra frente.

http://neypimenta.blogspot.com.br/2013/07/contando-historias-valentina.html?spref=fb 

domingo, 19 de outubro de 2014

Poesia e vida - Vinicius de Moraes

Poesia e vida - Vinicius de Moraes

A lua projetava o seu perfil azul
Sobre os velhos arabescos das flores calmas
A pequena varanda era como o ninho futuro
E as ramadas escorriam gotas que não havia.
Na rua ignorada anjos brincavam de roda…
- Ninguém sabia, mas nós estávamos ali.
Só os perfumes teciam a renda da tristeza
Porque as corolas eram alegres como frutos
E uma inocente pintura brotava do desenho das cores
Eu me pus a sonhar o poema da hora.
E, talvez ao olhar meu rosto exasperado
Pela ânsia de te ter tão vagamente amiga
Talvez ao pressentir na carne misteriosa
A germinação estranha do meu indizível apelo
Ouvi bruscamente a claridade do teu riso
Num gorjeio de gorgulhos de água enluarada.
E ele era tão belo, tão mais belo do que a noite
Tão mais doce que o mel dourado dos teus olhos
Que ao vê-lo trilar sobre os teus dentes como um címbalo
E se escorrer sobre os teus lábios como um suco
E marulhar entre os teus seios como uma onda
Eu chorei docemente na concha de minhas mãos vazias
De que me tivesses possuído antes do amor.


Marcos Vinicius da Cruz de Mello Moraes, ou Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 - Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) - Além de poeta, foi compositor, letrista, jornalista, dramaturgo e diplomata. Um dos mais conhecidos e lidos poetas brasileiros. Foi um dos responsáveis pela modernização da música brasileira através da Bossa Nova, ao lado de músicos como Antônio Carlos Jobim, Carlos Lyra e Baden Powell.