sábado, 22 de dezembro de 2012

EM ARANJUEZ COM MI AMOR


EM ARANJUEZ COM MI AMOR

                                                                             por J.L. Rocha do Nascimento
Ao som dos primeiros movimentos, lembro-me da fatídica viagem, de como e de quando lá chegamos. Um pequeno povoado. Deserto, poeirento e debaixo de um sol de cozinhar. Entramos. A taberna era rústica e suja. Mariachis dedilhavam suas guitarras ao fundo. Ao longe, um lamento forjado ao sopro de um trompete. Violinos orquestrados compunham, por fim, o cenário. O taberneiro suarento, sempre esfregando as mãos numa toalha encardida, nos serviu, em tigelas de barro, algo muito travoso para ser vinho. Ela não gostou. Nada que lembrasse as sessões homéricas de vinho tinto, uvas Itália e morangos silvestres. Ao lado, uma linha, uma velha estação, o vaivém barulhento de uma porta. A civilização já passou por aqui. É. Brincando, ela fez um longo enquadramento com as mãos. Tarantino ou Sérgio Leone? O original, eu disse.

Enquanto o trompete agoniza, entrecortado pelo dedilhar suave sobre a harpa, lembro também de como, aproveitando uma pequena trégua, tentei penetrar aqueles olhos, mas os cabelos, desalinhados pelo vento, debatiam-se por sobre o rosto, tirando-me a visão das amêndoas negras. Se os visse, se os penetrasse fundo, imaginei, talvez a demovesse da idéia, como naquele final de tarde em que, ao fim, embeberam-se uns nos outros, brilharam-se uns pros outros e juraram-se uns aos outros.

Queria uma última chance. Julgava que tinha me esforçado. Tanto que, no prelúdio, os dedos ainda se tocaram, embora sem a harmonia de antes. Mas logo percebi que seria impossível reproduzir o monólogo das mãos.

E nada foi mais doloroso do que o movimento final, anunciado pelas notas graves e marcadas do violoncelo. Quando, de repente, se ergueu e selou-me o rosto com um beijo. Meus olhos cerraram-se, repeliram qualquer movimento na tentativa de reabri-los. O receio era o de perceber o óbvio. E sumiu lentamente na poeira arrastada pelo vento - que também abria e fechava portas -, nas ondas tremulantes de calor. Ficou a sensação de uma miragem, nada além.

Nunca mais a vi. A não ser quando ouço concierto de aranjuez, como agora, na voz de Nana Mouskouri. Milles Davis que me perdoe com o seu adágio.

É noite de natal. Mais alguns instantes e os ponteiros estarão sobrepostos. O vizinho do lado ouve Noite Feliz. Que vinho ele bebe, não sei. A mulher corre pra cozinha. As crianças, em torno da árvore, aguardam com ansiedade a chegada do bom velhinho.

Pobres coitados. Pobre de mim.
Não sei qual dos mundos merece mais compaixão.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dezoito ou Cinco Meses

Dezoito ou Cinco Meses

Rodolfo Pamplona Filho
Quando dezoito vezes
são cinco meses
Quando quatorze
pode ser uma seqüência
ou uma única oportunidade
pode tomar todo o tempo...
Quando a lógica
perde o foco
ou o tato
é melhor in loco.
Tudo pode ser (ou não)
um pouco surreal
ou colorido tropical
ou Chico-Caetano-legal...
Quando mesmo a gramática
supera a matemática
é a certeza de que a razão
foi vencida pela paixão.


Salvador, 12 de janeiro de 2012.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Teu Perfume

Teu Perfume - Tayane de Aguiar

por Tayane de Aguiar, quarta, 4 de maio de 2011 às 21:06
Acordei... A primeira sensação que me recordo é a do teu perfume.
Talvez não tenha como explicar de que maneira senti o seu cheiro, já que estava tão distante, mas... o senti! E ele era maravilhoso.
A verdade é que, naquele momento, os meus sentidos deveriam transmitir o que o meu pensamento lutava, a todo o momento, para conter: pensara em ti! Aliás, como tem ocorrido sempre ao despertar.
As coisas poderiam ser exatamente como esperamos não é?? Como se tivéssemos arbítrio sobre a funcionabilidade da vida... Tudo seria tão fácil...
Mas, qual a graça das coisas fáceis? Digo: não quero facilidade! Não quero ter de viver em completo outono. Quero viver loucuras, cometer erros, me entregar sem pensar no que acontecerá depois... Escolherei arriscar, ainda que pelo caminho da dor, a me curvar diante do medo, a me privar diante do amor. Como tudo que é simples na vida, há de ser definitivo, pois em algum momento perecerá.
Talvez Drummond, ao escrever sobre as coisas findas da vida, não conhecesse o teu perfume que, ainda agora, insiste em não me deixar...
Enfim, volto a dormir... com a certeza que, ao acordar, buscar-lhe-ei, não mais em olfato, mas sim em olhar.


Esse texto foi escrito há alguns anos por uma mulher que viria a adoecer.
No começo, os sinais de sua diença eram esporádicos e ninguém ousou se importar. A autora, que sempre fora muito saudável, em um dado momento passou a sentir palpitações e tremores nas mãos. Sua boca, que estava sempre úmida, passou a secar constantemente e embranquecer. Até então,  contudo, não havia nada com que se preocupar. Não havia de ser nada.
O problema é que não parou por aí. Os sintomas se tornaram mais constantes e a doença tomou conta do seu coração. O pequeno órgão passou a bater em um ritmo próprio, fora do normal, contrariando todas as possibilidades cardíacas e determinando todas as condutas da sua portadora. E enquanto todos ao redor começavam a se preocupar, ela... Bom, ela tinha inúmeros motivos para ignorar os sinais. Ou acreditava que tinha.
Quando finalmente se deu conta da gravidade do seu problema, já era tarde demais. A doença já tinha se espalhado pelo seu corpo e ela já não conseguia suportar. As dores que sofria eram quase sempre sufocantes e as cicatrizes deixadas em seu corpo teimavam em incomodar. As noites de choro e soluços se tornaram uma rotina e ninguém conseguia ajudá-la.
Com o tempo, resistir se tornou uma tarefa por demais penosa e a única solução era se entregar. Talvez desistir de lutar contra aquilo que sequer era capaz de dimensionar fosse a única forma de ter paz. Foi então que, desejando sossego, desistiu. E, por desistir, ela deixou de existir.

Aquela mulher era eu e ela morreu de amor.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Não estou mais guardando lembranças dentro de mim

Não estou mais guardando lembranças dentro de mim
Não de um tempo ferido
Eu preciso de mim mesma distante do inferno

Anna Kelly 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Soneto do Problema Sério

Soneto do Problema Sério
(inspirado em Wilson Simonal)

Rodolfo Pamplona Filho
Há um problema sério
quando há presunção de culpa
e todo e qualquer mistério
vira motivo ou desculpa

para colocar para fora
todos os complexos e traumas,
realizando, nos outros, a desforra
clamada por suas almas...

Assim, a suspeita vira indício,
o indício vira fato, de início,
o fato vira processo, então,

o processo vira julgamento,
o julgamento vira condenação
e a condenação vira linchamento.

Salvador, 09 de janeiro de 2012.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Doce Certeza

Doce Certeza
Florbela Espanca

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!
Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer…
Hás de tecer uns sonhos delicados…
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!…
Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que são meus versos!…